Título: Griots modernos: por uma compreensão do uso de alegorias como recurso retórico em filmes africanos
Autor: Morgana Gama de Lima
Ano: 2020
Resumo: Entre imagens, histórias e memórias são muitas as formas de narrar os cinemas africanos e “narrar” suas narrativas. Tendo como ponto de partida o complexo e múltiplo cenário de filmes realizados por cineastas africanos, nossa tese volta o olhar para o modo como esses filmes constroem suas narrativas e, especialmente, como a presença de alegorias pode se configurar, simultaneamente, enquanto um legado das narrativas orais e estratégia retórica na produção fílmica africana. Indo além da concepção de alegoria enquanto figura de linguagem, nossa proposta é compreender como sua presença na narrativa oferece novos arranjos de sentido à cadeia de acontecimentos apresentados e funciona como um recurso retórico, ao promover a articulação entre diferentes temporalidades e historicidades (BENJAMIN, 1984). Como forma de demonstrar a influência da alegoria sobre a narrativa fílmica, analisamos três filmes, realizados por cineastas africanos de diferentes países e gerações, mas que convergem pelo uso de construções alegóri as na narrativa por dois aspectos: a imersão do realizador em um cenário de crise e o imbricamento entre memórias pessoais e coletivas na composição narrativa. Pela associação de tais aspectos, os filmes selecionados são: Soleil Ô (Med Hondo, Mauritânia, 1967), Aristotle’s plot (Jean-Pierre Bekolo, Camarões, 1996) e República di mininus (Flora Gomes, Guiné-Bissau, 2012). Com base nesse corpus, nosso objetivo é observar em que medida a presença de alegorias em filmes realizados por cineastas africanos pode ser considerada como uma atualização das tradições orais no cinema. Uma atualização que não se dá necessariamente em termos de adaptação de contos africanos, mas por uma mimetização de “gestos narrativos” empregados pelo griot, grande contador de histórias e guardador de memórias no contexto africano. Gestos, marcados pelo emprego de determinadas estratégias (presentificação, repetição, digressão e inversão) que contribuem para a composição da alegoria na narrativa fílmica. Desse modo, ao tempo em que reconh cemos a alegoria como um possível legado das tradições orais nos cinemas africanos, também admitimos que a sua ocorrência não é uma propriedade intrínseca ao objeto fílmico, mas emerge de uma relação entre filme e espectador. Por isso, com base no modelo semiopragmático de análise fílmica (ODIN, 2000), partimos da hipótese de que a presença da alegoria também é resultante de um modo de leitura específico acionado pelo espectador em relação ao filme (leitura alegorizante), incorporando a alegoria não como mera figura de linguagem, mas como agente modificador da narrativa (alegoria narrativa). Tal processo, na medida em que evidencia a opacidade do discurso cinematográfico (XAVIER, 2005), também oferece aos espectadores a possibilidade de, para além da narrativa fílmica, se relacionar com diferentes níveis de temporalidades e historicidades (GAGNEBIN, 1999) através das histórias encenadas. Por fim, concluímos que as narrativas dos filmes analisados, embora inspiradas em acontecimentos relacionados à trajetória e seus realizadores, encontram na alegoria uma forma de atualizar o legado narrativo das tradições orais e dar corpo a um modo de narrar próprio dos cinemas africanos em que diferentes dimensões históricas são articuladas através da narrativa fílmica.
Palavras-chave: cinemas africanos; tradição oral; alegorias; histórias.